Associação de produtores preocupada por não haver novas explorações

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Seg, 23/08/2010 - 10:46


Está a caminhar para uma morte lenta a raça mirandesa de bovinos. O solar da raça tem pouco mais de 4500 animais e, segundo Fernando Sousa, o secretário técnico da raça, os criadores são cada vez menos.

“Nos último anos não se têm fixado novos agricultores. Por um lado, não têm sido aprovados projectos”, diz Fernando Sousa. “Os projectos de apoio atrasaram seis anos a instalação de criadores. E por outro lado, a região está cada vez mais desertificada. Não há gente nas aldeias, não há quem queira continuar o que os pais faziam, as meninas não gostam de ser esposas dos agricultores porque a vida é muito penosa”, sublinha.

  Entre os criadores mais novos, o futuro também é encarado com apreensão.

 

Henrique Pires, de Castrelos (Bragança), e António Pinto, de Talhas (Macedo de Cavaleiros), são dois dos mais jovens dos 40 produtores que estiveram presentes no concurso de raça mirandesa, que decorreu sábado, em Bragança. E admitem que só estão neste ramo por tradição familiar.

 

 

“Bateu no fundo. Já sou produtor desde que nasci, com o meu pai e o meu avô, mas já só se trabalha por amor à arte. A carne até tem escoamento mas sobe tudo. O gasóleo disparou para o triplo e as rações também”, diz Henrique Pires, que tem 25 animais, e no sábado ganhou o primeiro prémio entre os novilhos entre 18 e 36 meses. Mas também António Pinto ficou com a produção dos pais. Aos 33 anos, diz que “ainda não” pensou em abandonar. Mas concorda que são poucos os criadores da sua idade. “Porque isto também não dá muito rendimento e dá muito trabalho”, sublinha.

 

 

 E quase não existe perspectiva de rejuvenescimento das explorações. Os familiares mais novos dos actuais produtores põem de lado a ideia de seguir o mesmo caminho de pais e avós. 

“Porque é uma vida que dá muito trabalho e exige muita dedicação. Todos os dias naquilo é muito saturante”, confessa Ricardo Maltês, de 16 anos, natural de Valverde. Ter animais, só “três ou quatro”, como forma de “entretenimento”, e não os 13 do seu pai. Já David Rodrigues, de 26 anos, natural de Vinhais, esteve no concurso para acompanhar o sogro. E também ele revela as dificuldades de optar pela criação de bovinos. “São animais que é preciso saber lidar com eles. Mas não é bom negócio, é mais um entretenimento. Quem os quiser tratar bem tem de passar muito tempo com eles. E não seria muito rentável. Há outros negócios melhores, como os das ovelhas.”

 

Por isso, foi com “surpresa” que Fernando Sousa, o secretário técnico da associação de produtores da raça mirandesa viu aumentar o número de animais no concurso que se realizou sábado, em Bragança.

 Participaram 89 animais e cerca de 40 produtores. O grande aumento foi nas categorias de novilhos.

Mas, mesmo assim, Fernando Sousa confirma que o número de animais a nascer é cada vez menor.

 

No ano passado houve uma perda de cerca de 16 por cento de inscrições no livro de nascimentos, ou seja, menos 500 novos animais. Nasceram 3600 contra os 4100 de anos anteriores.

 

E este ano a perda abrandou, mas já se contabilizam menos 80 animais comparativamente com o mesmo período do ano passado.

 

Uma situação que deixa Fernando Sousa apreensivo, especialmente por estar aliada ao desaparecimento de algumas explorações.

 Por isso, o secretário técnico da raça pede medidas urgentes.

“Tem de haver medidas políticas que, por um lado, favoreçam a instalação de jovens, porque isto a vida numa aldeia não é fácil. Cada vez se retiram mais serviços da região e por alma de quem é que vamos pedir às pessoas que vão fixar-se no meio rural?”, pergunta. “Por outro lado, têm que se criar medidas não só de incentivos financeiros mas que permitam que as pessoas tenham área suficiente para se poderem instalar e ter uma exploração competitiva. Já ninguém governa a vida com dez vacas e com oito mil euros por ano. Com qualquer empreguinho por aí ou mesmo com o rendimento mínimo conseguem isso.”

 

Uma das propostas da associação de produtores passa pela criação de condomínios de terras, em parceria com os proprietários e as juntas de freguesia.

 

“São muito menos agricultores, a terra está mais abandonada. Com as juntas de freguesia, que se criem explorações conjuntas, condomínios de terras, mas mantendo a propriedade dos terrenos. Porque a maior parte das terras que estão abandonadas não dão rendimento a ninguém.”

 

A raça mirandesa já representou um quarto dos efectivos de bovinos de Portugal.

 

Hoje o solar da raça resume-se a cerca de 4500 animais.

Escrito por Brigantia