Seg, 20/09/2010 - 09:24
A médica obstetra que acompanhou toda a gravidez decidiu que iria provocar o parto e propôs o internamento na maternidade.
“Não obstante encontrar-se em regime de presença física, com o dever de acompanhar o parto”, acrescenta o despacho de pronúncia, “ausentou-se do hospital para sua casa a partir das cinco da tarde”.
“32 minutos depois das 20 horas a arguida foi contactada por uma enfermeira parteira que lhe pediu com insistência para se deslocar que precisava da sua ajuda porque a parturiente estava muito ansiosa por não ter voltado a ver a médica, respondendo-lhe a arguida que se estavam duas parteiras no hospital era para trabalhar porque também o ganhavam” refere o despacho.
Entretanto a parturiente entrou no período expulsivo mas não colaborava por exaustão e o feto veio a ficar encravado.
A sua permanência no canal do parto provocou-lhe dificuldades respiratórias cada vez mais graves e consequente falta de oxigenação do sangue com inerente perigo grave para a sua integridade física e até para a sua vida.
E tal perigo não poderia ser removido de outra forma se não pela intervenção médica da arguida de tal modo que a anestesista, pediatra e duas enfermeiras-parteiras presentes não conseguiram fazer o parto apesar de o terem tentado por todos os meios chegando a um ponto de impasse em que apenas lhe restou esperar pela chegada da arguida para realizar o parto já que foi novamente contactada para o efeito pelas 21 horas.
A arguida só compareceu no hospital depois destes dois últimos telefonemas.
Dez minutos depois das nove da noite, Isabel Bragada deu à luz o Gonçalo.
Durante o período do parto o bebé manteve-se em sofrimento fetal agudo que revelava asfixia perinatal surgida durante o parto.
Como consequência directa, Gonçalo sofreu edema cerebral e veio a nascer com paralisia e epilepsia com uma incapacidade permanente de 95%, apresentando, do ponto de visto neurológico, um gravíssimo atraso de desenvolvimento psicomotor.
Ainda segundo o despacho de pronúncia, “não fora o facto de a arguida não ter acompanhado o parto e ter recusado comparecer no hospital e prestar auxilio médico necessário solicitado em tempo útil e o Gonçalo não nasceria com as sequelas já reveladas”.
Durante as alegações finais, em Julho, o Procurador do Ministério Público pediu a condenação da médica, mas com pena suspensa durante 80 meses tendo em conta o “excelente currículo profissional da médica em causa”.
A acusação pediu a condenação da profissional de saúde pela autoria material, na forma consumada, de um crime de recusa de médico, que pode ir até aos 5 anos de prisão efectiva.
Já a defesa da arguida pede a absolvição, por considerar que ficou provado não existir qualquer responsabilidade da obstetra neste caso.
Recorde-se que este julgamento aconteceu por determinação do Tribunal da Relação do Porto que decidiu, em Junho de 2009, levar a médica a julgamento, contrariando uma decisão anterior do Tribunal Judicial de Mirandela.
Em Outubro de 2008 o juiz de instrução daquele tribunal não tinha encontrado indícios criminais e decidiu não levar a julgamento a obstetra e a enfermeira que assistiram o nascimento de Gonçalo Damasceno em Fevereiro de 2003.
Os pais da criança que desencadearam o processo recorreram desta decisão para o tribunal da Relação do Porto que manteve o despacho em relação à enfermeira mas determinou a alteração relativamente à obstetra indicando que fosse pronunciada pelo menos pela prática do crime de recusa de médico.
Maria Damasceno e Isabel Bragada já viram ser arquivada pelo Ministério Público, em 2007, uma queixa-crime contra a obstetra mas voltaram a ter esperança após a Inspecção-geral das Actividades em Saúde ter decidido suspender por 90 dias, sem direito a remuneração, a médica em causa.
Perante estes novos dados os pais decidiram constituírem-se como assistentes no processo e requereram a abertura da instrução.
A profissional de saúde chegou a exercer as funções de chefe do serviço de obstetrícia do Centro Hospitalar do Nordeste, mas após cumprir a sanção disciplinar pediu transferência para o Centro Hospitalar do Vale do Sousa.
O Gonçalo, agora com sete anos, é completamente dependente.
Tem paralisia cerebral e epilepsia descompensada que necessita de cuidados permanentes.
Como os pais trabalham, foi necessário contratar uma ama para cuidar dar criança dado que necessita diariamente de ser alimentado por uma sonda, de medicação e aspirações constantes.
A sentença deste caso, está marcada para as duas da tarde, no tribunal de Mirandela.
Escrito por CIR